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Porque o mundo vai dar certo.




O pensamento que podemos mudar o mundo em um dia é fascinante.

Se todos nós levantarmos amanhã e agirmos conscientes de nossa interconexão, olharemos com descrédito para guerras, preconceitos, ódio e agressões.

Esta interconexão é explicada no filme I am do diretor Tom Shadyac. Ele narra como a percepção da volatilidade da sua existência alterou sua visão de mundo. E como diretor de sucesso em Hollywood, com recursos financeiros e técnicos à disposição, produziu um documentário brilhante que deveria ser obrigatório em todas as escolas do mundo. 

O engraçado é que o mundo que ele desnuda com duas perguntas, O que está errado no mundo? e O que podemos fazer a respeito? é justamente o mundo que financiava a produção e a divulgação de seus sucessos anteriores. Isso não ocorreu com o documentário I am. Há algo muito distorcido nisso.

Não tive uma experiência de quase morte, mas senti um desconforto similar anos atrás como empresário no ramo publicitário. Clientes e verbas sempre maiores, um turbilhão de exigências absurdas, egos inflados e uma preocupação – seria hilária se não fosse séria – de aparecer na foto ou ver o seu nome estampado em algum impresso ou vídeo. Não me orgulho de conceitos criados para campanhas que, se não mentiam, não diziam a verdade também.

Isso virou rotina, devagar. Chegou de forma sorrateira e perdi o fascínio pela comunicação e gestão de marcas. Atividades que sempre abracei 100%. Trabalhar sem tesão não era uma opção para mim. Fechei a empresa e mudei-me para a Alemanha. Sabia o que não queria, mas ainda não havia identificado um novo caminho. 

Comecei a vislumbra-lo dois anos atrás e logo depois tive um contato, ironia do destino, de um antigo cliente do Brasil. Havíamos parado de trabalhar juntos por ele ter deixado a empresa que atendíamos, mas sempre mantivemos uma relação cordial e autêntica.

Partiu dele um convite para que eu criasse a nova marca da empresa onde ele estava atuando. Até aí, nada demais. Muitos contatos comerciais, a maioria na verdade, começam assim. Marcamos uma reunião em Wiesbaden para alguns meses depois, quando ele estaria na Alemanha por conta de uma feira em Frankfurt. Encontramo-nos e surpreendi-me ao ouvir este executivo falar em Deus em nossa reunião com uma naturalidade que nunca havia visto. Não numa mesa de negócios, definitivamente. Nesta oportunidade também conheci o presidente da empresa. Um gentleman. A conversa fluiu bem e fui “aprovado”.  

Meses depois iniciamos os trabalhos por videoconferência. Foi um processo longo, divertido na maioria das vezes, até chegarmos à conclusão que o objetivo traçado no briefing era exatamente o que a empresa não queria. Não foi a primeira – nem deverá ser a última vez – que vivenciei isso. É fácil saber o que não queremos. O que queremos muitas vezes é um pouco nebuloso.

Neste processo de quase um ano, conheci a empresa e suas pessoas muito bem. Comecei a vislumbrar algo inimaginável em uma corporação: alma. O trabalho tornou-se divertido. Extrapolei minhas obrigações contratuais com naturalidade e mergulhei de cabeça no projeto que começava a tomar forma.

A empresa é a Metalúrgica Riosulense S.A.. Fundada em 1946, foi edificada pelo gênio - igualmente vigoroso, visionário e humano - do Sr. João Stramosk. Hoje um senhor de 92 anos, ainda presente e reverenciado no dia a dia da empresa.



Nasci na época em que ele vinha de Rio do Sul, do interior de Santa Catarina para São Paulo, trazendo peças fundidas e usinadas em uma Kombi. Ele buscava abrir mercado para a marca Riosulense, então uma desconhecida em um mercado onde reinavam as marcas importadas. No livro comemorativo dos 60 anos da Riosulense, cita-se que ela era descrita pelo mercado como uma pequena empresa que estava começando em Santa Catarina. Não exatamente um argumento para impulsionar as vendas. Imagino a determinação do Sr. João, sentado ao volante de uma Kombi de vidro bipartido, 4 marchas e um motor de 5 dezenas de cavalos, fazendo o trajeto de Rio do Sul à São Paulo em estradas de pista dupla. Sem contar com recursos de comunicação ou marketing, a não ser por sua presença pessoal como garantia pela qualidade e entrega, ele se manteve firme em seu propósito. E assim começou a desenhar uma característica do DNA Riosulense: acreditar e fazer acontecer.



A primeira embalagem de guias de válvula da Riosulense.

Certo é que ele sempre deu o exemplo. Sabe-se que isto vale muito mais do que dizer o que e como fazer. Uma lição sempre atual. Com suas atitudes, Sr. João criou uma cultura corporativa única. Que talvez só poderia ter mesmo prosperado ali, em Rio do Sul. Não sei dizer se funcionaria em uma cidade como São Paulo. É provável que não. Nas videoconferências que seguiram, fui identificando mais indícios dessa alma que eu havia aprendido, não existia no mundo corporativo. Nele, muito que não seja uma mentira descarada, geralmente ainda é considerado moralmente aceitável.

A minha frente abriu-se um palco com mais de 700 integrantes de uma orquestra agora regida pelo meu ex-cliente e cliente novamente, Gunther M. Faltin. Deus traça retas, nós fazemos curvas inexistentes e muitas vezes, andamos de marcha ré. Gunther visivelmente está na sua reta, indo em frente e com o pé embaixo. Sua velocidade liberou a alma da empresa que havia perdido o movimento em algum acostamento. Tive acesso aos vídeos das apresentações trimestrais feitas para os colaboradores: ali a empresa está de peito aberto, transparente, mostrando suas forças, possibilidades, falhas e deficiências. O resultado: é abraçada integralmente pela equipe, em todos os níveis. Uma adesão impressionante. 




Orgulho de ser Riosulense: uma verdade vivida pelos colaboradores.

Lembro de várias campanhas de endomarketing criadas para grandes clientes de minha agência que buscavam algo similar. Sem muito sucesso. O que adianta uma bela campanha com excelente material se as pessoas sentem no dia a dia que não é esta a realidade da empresa? 

Tive a intuição de ilustrar essa alma no formato de uma chama. É o eterno fascínio do fogo, um sinal de liberdade e luz, de coragem. Simultaneamente, o símbolo da rudimentar fundição nos primeiros passos da empresa. As analogias foram absorvidas de imediato. Uma energia latente materializou-se ali. Não faz seis meses que existe a chama e duvido que alguém possa pensar agora na história da empresa sem ela. Não pelo seu desenho, mas pelo seu significado.



Chama fundida pelo Sr. João representando a fé no ser humano.

O Sr. João nunca se preocupou com a primeira pergunta de Tom Shadyac, o que há de errado no mundo? Sempre concentrou sua energia em responder a segunda: o que podemos fazer a respeito? E ao fazê-lo com atitudes e não palavras, construiu algo que nem ele mesmo poderia imaginar. Este “algo” está traduzido no Manifesto RIO, nome da marca agora.

A crença do Sr. João na capacidade de cada pessoa na Riosulense, o amor pelo ser humano e a fé em Deus, estão refletidas ali. Inseri movimento, brilho, vibração e lapidei a forma, mas o conteúdo é criação dele. Muitas marcas criam histórias para justificar suas estratégias de mercado. Aqui ela é real. O sentimento ao construir a comunicação para leva-la ao mercado é excelente. 

Talvez por ser um sentimento costumeiro na empresa, um fato passou desapercebido pela maioria. Ao fazer a apresentação da marca RIO aos colaboradores – foram os primeiros a serem impactados - perguntei retoricamente qual o diferencial da marca Riosulense. Uma mão se ergueu e no meio de 400 ou 500 pessoas, um homem afirma em alto e bom tom que ele conhece o diferencial: O amor pela marca!



Minutos antes da apresentação da nova marca aos colaboradores.

Trabalhei para grandes marcas alemãs e brasileiras. Em algumas encontrei uma notável identificação das pessoas com a marca, mas na grande maioria, não. A marca é apreciada se tem peso para enriquecer o CV e ajudar no pulo para uma marca ainda “maior”.




Durante minha apresentação ouço o diferencial da Riosulense: o amor pela marca.

Ouvir as palavras “Amor pela marca.” foi um choque. Positivo, mas um choque. Como é possível uma marca despertar um sentimento de pertencimento e união tão marcante? Sem estratégias de RH ou Marketing? Muitas marcas pagariam alto para ter essa riqueza instalada.

A marca Riosulense simplesmente é. Criada sem pensamento estratégico ou planejamento. Eu diria, quase sem querer. Nisso reside o segredo da RIO.

A força dela, agora traduzida na chama fundida pelo Sr. João, é autêntica entre todos os colaboradores. É impressionante como as pessoas estão ávidas por algo que as inspire em suas atividades diárias. Incluo-me nisso. A inspiração está nas palavras do Sr. João: “Ilumine caminhos, acenda talentos e molde o futuro.”

O clima de cooperação na empresa é completamente oposto ao clima de competição que Shadyac mostra no início do seu documentário. Há tantas pessoas que acreditam na necessidade desta luta para sobreviver. Como poderiam estar erradas?

Na RIO as pessoas avançam na contramão dessa crença. Não para sobreviver, mas para prosperar. Estão aí para criarem lucro, claro. Essa é a função da empresa e de suas atividades. Mas provam que isso pode ser alcançado com a consciência que estamos interconectados e só podemos progredir a medida que TODOS progridem. E, ironicamente, o lucro passa a ser um resultado óbvio.

O conceito das novas embalagens.

A empresa não é santa, como qualquer um de nós. Ela luta e luta arduamente para se afirmar no disputadíssimo mercado de autopeças. Mas é um exemplo vivo de como isso pode ser feito com respeito ao ser humano. Este é o seu maior valor. Esta é a grande verdade que o Sr. João instalou nos corredores e galpões da fábrica em Rio do Sul.

Agora esta verdade passa a ser comunicada para o Brasil e o mundo. Levando uma mensagem comercial, mas mostrando que para vender, ninguém precisa perder. Num ambiente de cooperação se faz dinheiro, não se ganha dinheiro. 

A mudança que desejamos para o mundo virá de marcas com esta consciência.  

Não é na política que encontraremos essas mudanças. Ela teria que substituir a competição pela cooperação. As notícias nos mostram que não temos tempo para esperar essa consciência surgir. 

Temos o dever ético de estimular mais pessoas para a cooperação, até que sejam a maioria. Atuando como marca, esse estímulo tem seu poder e alcance potencializado. Empresas genuinamente interessadas em prosperar, conscientes do meio em que estão inseridas e de suas responsabilidades, são o caminho.


Sr. João Stramosk ao lado de Gunther M. Faltin.

Tiro o meu chapéu e agradeço ao Sr. João pela obra de sua vida. Para ele a nossa interconexão sempre foi intuitiva. Ele desenhou um caminho em que o mundo dá certo. Basta termos fé em Deus e sabermos que somos todos um. Precisamos nos dar as mãos - na RIO são mais de 700 pares - e criar este movimento. A missão hoje é comunicar e multiplicar essa cultura.

- Sr. João, obrigado. Eu rio.







Se desejar, deixe um comentário ou conte-me se você já viveu experiência similar.

Publicado originalmente no LinkedIn em 14 de dezembro de 2019.


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